quinta-feira, 15 de março de 2012

Posted by Victor Bastos | File under :
Na vida, sempre que traçamos uma meta, buscamos também os melhores meios para nos possibilitar alcançar aquela meta. O normal é não hesitarmos, correndo atrás incansavelmente daquilo que almejamos.
Vejo as coisas de maneira curiosa toda vez que são divulgados os resultados do ENEM, por exemplo, principalmente da edição de 2010, que originou essas ideias. As discussões logo tomaram início, tendo em mãos ferramentas para comparar o desempenho das escolas participantes. Destacaram-se, como sempre, as escolas conhecidas por sua rigidez e eficácia especializada em vestibulares. Gigantes da matemática, heróis da física, mestres da química, e assim sucessivamente... Esses são os ícones produzidos de tais escolas. Para o mundo de hoje, esses são os elementos que irão se destacar. A sociedade atual prima pelo domínio das ciências tidas como “nobres”.
Por primar por esse domínio, a própria sociedade acaba por cultivar, chamemos assim, “novos membros” que sejam capazes de trazer inovações nos campos do conhecimento humano, em todas as áreas imagináveis. Ou será que não?
Não é difícil encontrar crianças, com idade padrão de curso entre a 1º e 4º série, que gostem da matéria de artes. Nessa idade, ainda há o prazer majoritário de ter uma aula que trate de trazer uma limpeza e clareamento da mente, para posterior manifestação sob a forma de desenhos. É fácil observar: nos primeiros anos do ensino fundamental, ou em alguns casos até mesmo em anos mais avançados, os eventos escolares, como feiras que tratam da exposição de desenhos e incitam a participação dos alunos, são bem recebidas por parte dos discentes.
Entretanto, conforme avançamos no decorrer dos anos letivos e chegamos ao limiar do ensino fundamental e período do ensino médio, as coisas mudam, e muito. Por conta da pressão dos concursos, vestibulares e tudo mais, as atenções se voltam quase que exclusivamente para as disciplinas que tendem a se tornar as mais problemáticas no processo de seleção das instituições de ensino superior, ou até mesmo nas próprias escolas, que cobram incansavelmente em prol do bom desempenho do seu alunado nas provas de faculdades.
Isso é um reflexo social. O mundo está em plena vertigem com o avanço tecnológico, que é norteado pelo conhecimento da matemática, física, química, biologia, dentre outras matérias. Acabamos por ver um mundo destinando os jovens cada vez mais aos ramos mais “frios” do conhecimento humano. E acaba que não basta exigir domínio dessas áreas: demandamos inclusive que as demais, aquelas que não entram diretamente na montagem de um currículo respeitável pela sociedade cientificamente viciada, sejam desprezadas.
Podemos pensar o que for, mas, em verdade, o que se mostra de previsão para o futuro é que, caso a realidade não seja alterada de alguma forma, as gerações que estão por vir estarão muito mais informatizadas do que dotadas de conhecimento cultural (ainda que, segundo a antropologia, todo ser humano é dotado de cultura, seja ela quão diversa for). Aqui, uso “conhecimento cultural” no seu sentido mais amplo possível, que é o disseminado na sociedade, compreendendo conhecimentos humanos como História, Artes, dentre outros.
Não é essa a primeira manifestação sobre o nosso método de ensino atualmente consolidado, e tampouco será a última. Do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul, as nações primam pelo desenvolvimento confiável nas ciências, ensinadas desde muito cedo e incentivadas o quanto antes. É exatamente por isso que, hoje em dia, há um preconceito por áreas como a Música, o Teatro, e, consequentemente, aqueles que optam por tais. É muito fácil e comum dizer que essas áreas são muito interessantes, mas a máscara criada passa a cair quando vemos um pai ou uma mãe que reage quando ouve da filha ou do filho que este quer seguir a área de Artes Cênicas, por exemplo.
Há exceções, é claro. Não podemos generalizar. Ainda há pessoas que encontram a valorização seja em qual área for, seja isso norteado pelo amor familiar ou pela aceitação, ou talvez pela própria concepção de vida que se tenha. Mas uma coisa é certa: a sociedade, enquanto ente, não tem o devido respeito e valorização. Passamos a acreditar que inovação nada mais é do que a tecnologia nova. Passamos a aceitar a matemática como a máxima referência de inteligência do aluno. Os cursos de ensino superior passam, há muito tempo, por uma segregação: aqueles que cursam áreas tidas como nobres (Medicina, Direito, Engenharia, etc.), e aqueles que cursam as áreas tidas como “só por obrigação” (como as relativas às Artes).
Queremos ver um futuro diferente? Pois então devemos pensar diferente. Não devemos desvalorizar alguma coisa só porque ela não é a matéria que mais dá trabalho numa prova de vestibular. E, talvez, o próprio vestibular deva ser repensado. No momento, estamos formando não profissionais, mas robôs, porque o modelo que nós mesmos adotamos está centrado na fria letra ou no frio cálculo. Não há valorização pelo envolvimento cultural. Mais pessoas se interessam por uma nova fórmula de Física do que por um escritor ou um poeta. As Ciências têm sim o seu papel de nortear o conhecimento humano, mas por que isso significa que devamos nos esquecer ou desvalorizar ramos que são iguais reflexos do nosso conhecimento e sabedoria, como a Literatura?
Será mesmo que atores de teatro devem ser lembrados pela sociedade somente na entrega de prêmios em badaladas cidades dos Estados Unidos e Europa? Será mesmo que músicos só possuem a sua importância no momento em que estão no palco, exibindo seu trabalho? O mundo é plural, o ser humano também. Está na hora de repensar. Se todos somos seres humanos, independente de que atividade formos nós exercer ou que ramo escolhamos seguir, todos nós devemos ser valorizados da mesma forma. Estar uma área em destaque em determinado momento histórico é normal. Entretanto, desvalorizar as demais por conta desse destaque significa abrir mão de esferas da manifestação humana perante o mundo em que vive. Inovação não é só tecnologia: é um novo olhar, uma nova manifestação, podendo ser um chip, um aparelho, uma frase ou uma poesia. Repensar é necessário. O mundo pode lidar com essa mudança? 

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Pensar sobre educação é uma coisa séria. Mais do que refletir sobre a importância de cada área, é saber valorizar todas as esferas de inteligência humana e suas manifestações. Se o mundo tem problemas hoje, boa parte é por conta dessa nossa aparente falta de capacidade de fazer a devida atribuição a cada manifestação do saber humano. Vale a pena pensar sobre isso, sem dúvida.

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