segunda-feira, 28 de julho de 2014

Posted by Victor Bastos |
Não é nem um pouco fácil se colocar em algum posicionamento em um tema como esses. Por sinal, por muito tempo (anos, inclusive) relutei em abertamente tomar uma posição, por motivos de ser assumidamente indecidido quanto a várias perguntas que envolvem esse conflito. Dada a oportunidade, porém, aprofundei-me ainda mais no tema, e acho que a partir de agora já posso opinar com menos amadorismo do que faria em tempos anteriores.

A primeira ideia que precisamos ter clara e indiscutível em nossas mentes para realmente apreendermos o que acontece naquela região do Oriente Médio é: nenhum dos lados é o vilão. Repito. Nenhum dos lados é o vilão. É completamente insano e absurdo, além de obsceno, sustentar que "todos os palestinos são fanáticos", bem como "todos aqueles israelenses só querem ver os árabes mortos". Não funciona nesse nível generalizado (como, aliás, muito frequentemente não funciona). E ainda assim isso é um tipo de pensamento difícil de se manter, dada toda a pressão midiática em cima desse assunto, amparada pelas generalizações típicas dos veículos de massa. Então precisamos partir do pressuposto de que, bem ou mal, cada um dos lados tem uma versão para contar, e não cabe a nós, outsiders, fazermos juízo de valor sobre o que eles nos dizem. Nossa tarefa é dar-lhes a voz, escutar suas palavras e buscarmos racionalizar o que nos dizem.

O segundo pressuposto do qual devemos partir é que devemos nos ater aos fatos para uma análise objetiva. Contudo, no exato instante em que postulei isso mentalmente, me veio a pergunta: "que fatos?". Como pressupor que fatos são verídicos? Confiar na transparência de mídias cada vez mais tendenciosas, ainda que em escala global? Teorias da conspiração à parte, não precisamos de muito estudo para saber que mesmo os jornalistas mais íntegros estão submissos a editoriais influenciáveis. Além disso, a História nada mais é do que uma narrativa contada pelos vencedores. Para solucionar essa dúvida, tentei me ater ao máximo de leituras analíticas possíveis, criando um rol de ideias pessoais o mais isentas possível do ponto de vista de ideologias que pudessem favorecer a um dos lados.

O terceiro pressuposto é que nenhum dos lados pode se abster de um "mea culpa". Tanto o Hamas quanto Israel tem coisas pelas quais devem responder perante a sociedade internacional, e prefiro acreditar, ao menos em princípio, que existem pessoas boas e razoáveis dos dois lados (isso faz parte do segundo pressuposto, o de adotar um ponto de vista livre de favorecimentos de X ou Y). Portanto há esperança de razoabilidade vindo de ambos os lados, e isso eu adoto como premissa para permitir tratar os dois lados com o máximo de objetividade e imparcialidade que eu puder.

De antemão preciso adiantar que sou contra a criação do Estado de Israel, tanto em como ocorreu quanto sob quais termos. Na verdade, sou contra a criação de qualquer Estado sob regime teocrático. Qualquer Estado que seja, uma vez que se organize a partir de uma religião, a meu ver carece de reais Justiça, razoabilidade e motivo de ser. Logicamente, a criação de um Estado judeu no meio do Oriente Médio está longe de ser algo que eu possa chamar de memorável. Ainda que eu pense dessa forma, eu entendo que muitas pessoas ao redor do globo tiveram vários motivos teoricamente compreensíveis para a criação do Estado de Israel. Sam Harris aborda isso muito bem em um artigo ao dizer que:

"Though I just said that I don’t think Israel should exist as a Jewish state, the justification for such a state is rather easy to find. We need look no further than the fact that the rest of the world has shown itself eager to murder the Jews at almost every opportunity. So, if there were going to be a state organized around protecting members of a single religion, it certainly should be a Jewish state".

Isso, contudo, não exime Israel de ser diretamente ligado com os conflitos que ocorrem hoje, da mesma forma como o Hamas não pode também se eximir do ponto em que a situação chegou atualmente (como disse no terceiro pressuposto, "nenhum dos lados pode se abster de um 'mea culpa'"). Os relatos mais confiáveis de israelenses apontam que eles foram vítimas de hostilidades de muitos dos seus vizinhos desde quando o Estado foi criado. Já os fieis relatos de palestinos e seus defensores conclamam que os israelenses, a partir de determinado momento, receberam ordens de invasões e conquistas territoriais, iniciando portanto as hostilidades. Um desses relatos, por sinal de uma pessoa de grande confiança, narra que antes das hostilidades, os judeus e os árabes conviviam pacificamente naquele território. E não apenas esse relato demonstra isso: informações de ambos - judeus e árabes - comprova que, anteriormente à criação do Estado israelense, as hostilidades não existiam, e isto é reforçado por obras e publicações da época. 

Quando eu disse que parto do pressuposto de que ambos os lados devem possuir ao menos um pouco de razoabilidade, eu não falei por falar. Alguém já parou para pensar que esse conflito em Gaza nem de longe é algo tão generalizado quanto pode se tornar? Pensem um pouco. Israel é dotado de um arsenal militar formidável, e ainda assim não tem feito tantas vítimas palestinas quanto poderia fazer se usasse todos os meios à disposição. Já o Hamas,a essa altura, não teria feito bem mais estrago se estivesse de fato mal-intencionado? Basta pensar em outros grupos jihadistas e fundamentalistas que causaram aos árabes a triste associação ao terrorismo. Em que pesem os números do conflito, os dois lados poderiam estar fazendo muito pior do que fazem hoje.

Faça-se a pergunta: por que?

A cartilha do Hamas chega a ser totalmente enfática quanto ao que diz respeito aos judeus. Cito:

"But even if the links have become distant from each other, and even if the obstacles erected by those who revolve in the Zionist orbit, aiming at obstructing the road before the Jihad fighters, have rendered the pursuance of Jihad impossible; nevertheless, the Hamas has been looking forward to implement Allah’s promise whatever time it might take. The prophet, prayer and peace be upon him, said:  The time will not come until Muslims will fight the Jews (and kill them); until the Jews hide behind rocks and trees, which will cry: O Muslim! there is a Jew hiding behind me, come on and kill him! This will not apply to the Gharqad, which is a Jewish tree (cited by Bukhari and Muslim)." [grifos meus]

O que mais pode vir a perturbar nesse sentido é o quão abertamente declarado esse documento se posiciona quanto aos judeus, e isso está explícito na cartilha de um grupo que foi eleito pelos palestinos em Gaza para tutelar a região. Eis uma das razões pelas quais eu não culpo muitas pessoas por temerem o Hamas e o que podem vir a fazer no conflito em Gaza. Entretanto, deve-se ponderar efetivamente o seguinte: se o Hamas de fato seguisse esse documento de maneira literal e totalmente séria, eles já não teriam providenciado um massacre indiscriminado e BEM MAIOR de judeus, principalmente israelenses?

Olhem atentamente os números que constam nos jornais. Os principais alvos dos palestinos em Gaza são os militares israelenses, não a população civil. Ainda que o Hamas já tenha vitimado civis antes, o que é inegável. 

"Então Israel é o errado da história?"

Surpreendentemente... até aqui, não. Ou pelo menos não tão errado quanto são acusados de ser.

Israel fez coisas terríveis e indizíveis até aqui, e isto é inegável. Contudo, considere que mesmo com todos os horrores de conflitos em Gaza, Israel ainda fez menos do que os EUA e os países da Europa Ocidental em outros conflitos armados. Dependendo da perspectiva, alguém poderia até ter a impressão de que Israel evitou um banho de sangue ainda maior no decorrer dos últimos anos. Com o poderio militar de que dispõe, Israel poderia, se bem entendesse, dedicar-se a aniquilar toda Gaza em questão de dias. Ainda que o Hamas tenha atuado muito bem - em termos estratégico-militares - até hoje na contenção de eventuais ofensivas israelenses, continuam sendo um grupo contra um Exército. E uma Força Aérea. E uma Marinha. E vários e vários artefatos de destruição em larga escala.

Não quero ser injusto com nenhum dos lados, e espero ter deixado isso bem claro. Mas me passa a impressão de que os dois lados estão tentando evitar o banho de sangue. Embora Israel cause um montante alto de vítimas nas ofensivas, sem sombra de dúvidas poderia ser muito maior se eles assim quisessem e se dispusessem em caso de um conflito total. Ainda mais se considerarmos que Gaza é um dos locais mais populosos do mundo, o que, por ato reflexo, significa que qualquer ato hostil naquela região vai, sem sombra de dúvidas, render uma grande quantidade de vítimas civis.

Lembram do terceiro pressuposto? "Tanto o Hamas quanto Israel tem coisas pelas quais devem responder perante a sociedade internacional, e prefiro acreditar, ao menos em princípio, que existem pessoas boas e razoáveis dos dois lados". Aqui reside um ponto - talvez o mais delicado de todos - crucial para que se observe de maneira direcionada como funciona o conflito na região. Como estabelecer um parâmetro moral para que consigamos realmente avaliar e entender o problema? Mesmo aqueles que defendem Israel na questão não conseguem fugir da realidade. Mais uma vez, cito o brilhante Sam Harris:

"But there is no way to look at the images coming out Gaza—especially of infants and toddlers riddled by shrapnel—and think that this is anything other than a monstrous evil. Insofar as the Israelis are the agents of this evil, it seems impossible to support them. And there is no question that the Palestinians have suffered terribly for decades under the occupation".

O que tem Israel a ganhar com o gigante massacre que tem ocorrido em Gaza? O território? E o que acontece com Israel depois desse genocídio? A verdade é que quanto mais o massacre se prolonga, mais Israel se enfraquece no contexto global, rumando a se tornar um verdadeiro pária internacional. Desse ponto de vista, se alguém realmente me convencesse de que Israel tem um pé permanente no freio, eu conseguiria entender o porquê.

Em última análise, eu poderia admitir que tendo muito a entender mais o lado dos palestinos em Gaza, lutando pela sobrevivência de seu povo e pela manutenção - do que sobrou - do seu território. Também poderia aproveitar e dizer que eu não duvido de uma eventual paz com uma nova divisão de territórios. Sei que soa uma utopia, mas entendo realmente ser a melhor solução a coexistência de dois Estados, um palestino e um judeu. Como operacionalizar essa coexistência? Sinceramente, não sei. Mas com certeza é uma solução bem melhor do que deixar o sangue escorrer pelo Oriente Médio até que um dos lados se esgote de defensores vivos. Hamas acredita que luta pelo seu povo. Israel acredita que luta pelo seu povo. Nós tentamos entender qual lado está certo, quando na verdade não há um lado mais certo do que o outro - há um lado que sofreu mais do que o outro, e que portanto merece auxílio e urgência neste auxílio. Não é uma questão de certo x errado. Não é esse o aspecto de moral que deve ser aplicado à Gaza para analisar a situação.

A verdade é que a vida, independente de israelense ou palestina, árabe ou judia, é igualmente valiosa. Não se distinguem os valores das vidas humanas a depender de sua região ou crença. A solução, qualquer que seja ela, não pode passar por qualquer critério que valorize de maneira tendenciosa um lado ao outro, caso contrário seria obscena e moralmente repreensível - quem sabe, inclusive, geradora de novos conflitos mais adiante.

Como disse a um grande amigo algumas horas antes de escrever este texto: "[...] se os palestinos fossem escutados, ninguém precisava ter morrido jamais por isso. Bastava ter dado voz ao povo palestino e a paz poderia, sim, existir. [...] O Hamas poderia se dirigir aos próprios judeus de Israel e dizer 'Desculpem-nos aqueles que porventura morreram sem necessidade nesse conflito'".

Acredito que do lado de Israel também exista essa iniciativa, de alguma forma. Agora, o próximo passo é: como trazer essas iniciativas à mesa de negociações e finalmente encontrar a paz?

E se cabe uma mensagem para ambos os lados, é esta: "Palestinos e israelenses, vocês por acaso se odeiam tanto que não conseguem coexistir? Não seria hora de mudar suas lideranças, buscar novas ideias e aproximar-se de maneira diferente do que tentaram até aqui? Ceder um pouco do seu em prol do bem comum?"

Utopia? Talvez. Mas há muito aprendi que a paz não é utópica - apenas em alguns momentos, parece ser impraticável.