quarta-feira, 20 de março de 2013

Posted by Victor Bastos |

Não é de agora que se percebe a expansão das bancadas evangélicas nas casas legislativas, tanto em número quanto em ousadia nos projetos. Acontecimentos recentes, por outro lado, apontam que algo está verdadeiramente se concretizando a partir desse crescimento, e também certas ideias têm ganhado força. 

Episódios simbólicos não faltam, dos quais destaco dois: Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e a explosão da ideia de uma "Jesuscracia" brasileira, iniciada (ou amplificada, para melhor dizer) com a divulgação daquele banner com várias siglas de partidos e entidades religiosas como apoio.

O que mais me perturba é que os alicerces de algumas dessas ideias tão propagadas como cristãs ocultam violações seríssimas ao que diz a Bíblia, por exemplo.

Nem preciso relembrar o leitor de que o Brasil é um Estado laico. O diploma maior de nosso ordenamento jurídico aponta a liberdade de cultos e crenças de forma inequívoca, mesmo que ainda se veja questões como "o preâmbulo diz 'sob a proteção de Deus'" ou a discussão da presença da frase "Deus seja louvado" das cédulas do Real. A meu ver, nenhuma dessas duas características aponta uma enfática "quebra" nesse princípio laico.

Uma pergunta a todos esses membros das bancadas evangélicas que tentam empurrar de todas as formas possíveis suas ideias, em detrimento dos que pensam diferente: já ouviram falar de algo chamado livre-arbítrio?

Sim, esse mesmo. O mesmo livre-arbítrio que é uma das bases do que Deus propiciou a cada uma das suas criações. A liberdade da escolha. A possibilidade de que eu, você, ele e ela possamos tomar o rumo que queremos, com base em nossas próprias vontades. A "espontaneidade", em outras palavras. 

Caso fosse de outra forma, teria sido bem fácil Deus criar cada um de nós como robôs, nos quais iria ser programada a crença automática e cega, não é? Mas não. Conforme os ditames bíblicos, foi justamente sob a bandeira da liberdade que cada um foi concebido, o que possibilita que nossas escolhas sejam, chamemos assim, "desprovidas de vícios", ou seja, desvinculadas de quaisquer forças que nos façam tender de um lado para o outro.

Epa... "forças que nos falam tender de um lado para o outro". Como será que soa, com base nisso, a enfática vontade de tantos políticos de transformarem todo o Estado em seu objeto de estimação? Como podemos chamar, a partir disso, esses discursos inflamados e unilaterais de "minha visão do Brasil é essa, quero que o Brasil seja assim", interpondo sempre a primeira pessoa do singular, em detrimento do que deveria ser o discurso não só do político, mas o de todo cidadão consciente em sociedade: a primeira pessoa do plural. O "nós".

Tive a oportunidade de ouvir palavras de pastores algumas vezes, e dentre o que escutei uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o significado dado ao termo "evangelização".

Contextualizando o que apreendi, numa de minhas viagens tive a oportunidade de me ver conversando sobre evangelização. Recordo-me de dizer: "evangelizar, assim entendo, é a prática de, usando-se da boa vontade e da boa intenção, anunciar e falar sobre os ditames da Bíblia e todas as ideias e ensinamentos nela trazidas e por nós, através da reflexão espiritual guiada pela Palavra, convidando as pessoas a esta reflexão e eventual crença". Recomendo que releiam minha conceituação. A palavra "convidando" está bem destacada. Sabe a razão disso? Porque evangelizar não é empurrar nossas ideias. É trazer a ideia, e deixá-la na mente das pessoas para que elas, por vontade própria, reflitam nisso. Aí sim, a partir do seu próprio livre-arbítrio, optar por qual caminho seguir, seja o de acolher as mensagens que trouxemos a seu conhecimento, seja o de não aceitar essas ideias.

De uma forma ou de outra, é questão de escolha de cada um.

A partir disso, responda-me você, Sr. Marco Feliciano: o sr. está sendo um bom pastor nesse momento? Um bom evangelizador? Digam-me, aliás, todos vocês que tentam usar dos seus poderes para forçar as suas ideias em detrimento daqueles que escolhem não segui-las: os excelentíssimos senhores desejam uma "Jesuscracia" ou uma ditadura religiosa contemporânea?

Falam em lançar uma nova Constituinte e implantar a "Jesuscracia" no Brasil. Sabe a parte mais engraçada? Os únicos que ouço concordarem com essa ideia são eles próprios. Saia na rua e pergunte das pessoas se alguém coaduna com a ideia.

Senhores deputados e senadores que tentam empurrar seus egoístas interesses, ocultando-os e usando-se do discurso cristão, façam-me um favor:

Acordem.

Se lhes falta sabedoria para lembrar de um princípio como o do livre-arbítrio das pessoas para as quais tentam forçar suas vontades, definitivamente deveriam ao menos ter a humildade de perceberem que são bem menos do que acham que são e pararem com essa falta de respeito à vontade do povo brasileiro.

Vocês foram eleitos pelo povo, mas estão muito, mas muito longe de refletirem a vontade popular.

No dia que quisermos a implantação de uma religião oficial ou de princípios religiosos em nossas leis, nós mesmos estaremos motivados a tal.

Parem de se passar por representantes do povo. Vocês só estão representando seus próprios desejos nesse momento.

Palavras de um cristão que não se sente representado por esses que se dizem "pregadores da Palavra" e se esquecem que o país não é seu quintal para comandarem conforme lhes bem parecer.

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