O papel das
lideranças sociais, em meados do século XXI, tende majoritariamente a ser
exercido por aquele que se apresenta com maior popularidade e resposta perante
os anseios da sociedade, representada – em termos de democracia – por uma
maioria que nesse indivíduo deposita sua confiança em comandar o Estado.
Soa, sem
dúvidas, poético: uma sociedade supostamente madura decidindo os próprios
rumos, julgando quem melhor surge para governá-la por um período vindouro e
determinado, bem como dando o seu aval para as decisões que manifeste de
maneira prévia aquele que almeja o papel da liderança – hoje em dia, por meio
de debates e propaganda eleitoral, como o caso brasileiro.
A dicotomia que
pode vir a surgir, porém, da corrente ideológica que defende os moldes atuais,
não é de todo fácil de ignorar. Se a maturidade social atinge, com o regime
democrático, o atual ápice de qualquer sociedade organizada, de maneira que
seja o regime mais desejável e admirado, onde exatamente passa a residir a
escusa para falhas sucessivas daqueles que regem a máquina pública? Será que a
própria democracia é, em si, hábil por natureza a ponto de não estar sujeita a
críticas em torno daqueles que dela se usam para catapultar-se em direção ao
poder?
Vale sempre
rememorar as palavras de Norberto Bobbio acerca da democracia enquanto regime,
ao que aborda:
“[...] por democracia entende-se uma das
várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas
mãos de um só ou de poucos, mais de todos, ou melhor, da maior parte, como tal
se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e oligarquia.”
Permito-me,
nesta análise, fazer uma citação de Cláudio Reis (Mestre em Ciências Sociais
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Doutor em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas), que, em específico ao
caso brasileiro, aborda:
Desde 1988, foi estabelecido no Brasil o
chamado Estado Democrático de Direitos. Essa maneira específica de definir a
democracia corresponde ao seguinte pressuposto: somente serão incluídos em sua
esfera de atuação aqueles contemplados por determinados direitos, legitimados a
partir da norma jurídica. E é justamente neste sentido que a atual Constituição
Federal parece trabalhar, isto é, pela inclusão do maior número possível da
população do país. De qualquer modo, devido a essa característica é cada vez
mais observável, na realidade efetiva, uma certa corrida às leis por parte dos
setores ainda desprotegidos pela Constituição. Afinal, ter uma lei em seu
benefício pode, em alguns casos, ser a condição de uma vida digna. Portanto,
viver em um espaço democrático no Brasil, significa possuir direitos.
Embora seja
necessário o discernimento, logo de pronto, entre o Estado Democrático e o
instituto “democracia”, ambos se correlacionam na esfera material, em
específico na maneira como, via de regra, possuem materialização na vida
prática e na institucionalização perante as sociedades. O caso brasileiro
entende democracia, na maioria dos casos (e conforme bem apontado pelo Dr.
Cláudio), no campo de titularidade de direitos pelos cidadãos. Inclusive não
seria possível algo diferente, vide o porte magnânimo do art. 5º da Carta
constitucional pátria.
É curioso que o
exercício interpretativo acerca da democracia brasileira tenda muito ao “possuir
direitos”, como se tudo pudesse ser dado como garantido uma vez que o Estado
assuma uma postura pró-algo. Ora, é evidente a distância entre teoria e
realidade, entre texto constitucional e vivência cotidiana. E embora não vá
perder tempo em abordagens epistemológicas (como a ridícula insistência
esquerdista em propor o conflito burguesia
x proletariado, como se até mesmo esses nomes fossem algo aplicável à
realidade atual), não é errado admitir que exista, para um país regido por tão
belas metas de igualdade social, um abismo notório entre o almejado pela
Constituição e seus idealizadores e o dia-a-dia, por exemplo, de grupos
discriminados à margem das conquistas sociais.
Há, portanto,
um aspecto que, a meu ver, tem sido deixado de lado quando pensamos no futuro
do país: como lidar com o constante afastamento do aclamado pela Carta Magna
como ideal para o Estado brasileiro e a realidade resultante de sucessivas
políticas socioeconômicas que apontam dias nada fáceis para todos os
conterrâneos tupiniquins. Onde está o ponto de conexão entre o texto e o fato?
Quem – ou o quê – pode servir como instrumento de concretização do que hoje
reside na esfera do vir a ser dos frios papeis da Constituição?
Entendo
tratar-se de um papel que incumbe, evidentemente, às lideranças do Estado
brasileiro. Ao elegermos o regime da democracia representativa, deixamos claro
o recado de que enviamos a Brasília aqueles que passam a ter o papel de gerir o
Estado de forma a alcançar uma prosperidade e evolução dignos das metas
constitucionais. Permito-me até mesmo ser menos ambicioso nesse sentido e
reescrever a frase acima de outra forma: “deixamos claro o recado de que
enviamos a Brasília aqueles que passam a ter o papel de gerir o Estado de forma
a alcançar uma razoável correspondência com as necessidades pelas quais a
sociedade brasileira passa”.
Não apenas se
está vivendo, porém, um evidente problema nessa expectativa. Há uma clara perda
de confiança no próprio modelo adotado. Como bem aborda Karla Manfredini:
“[...] o que tem se vivenciado no Brasil é
a crise desse modelo. Os representantes já não representam o povo; este, por
sua vez, já não se interessa pelos assuntos políticos. O número de partidos
cresce, mas as ideologias continuam as mesmas, e, o poder legislativo ainda não
logrou sua independência, continua a operar com preponderância do executivo”.
Além de toda a
carga de engajamento aparente que tomou o Brasil (em especial as redes sociais)
nas eleições recentes, com forte tendência à defesa da alternância de poder na
figura do senador Aécio Neves (PSDB-MG), pergunta-se: onde está, de fato, o
interesse nacional na política?
A resposta é a
mesma à qual chegou Manfredini: o interesse, via de regra, não está em lugar
nenhum.
Acredito que a
interpretação acerca do conceito de política não passa exatamente pelos eventos
de natureza política (comícios, eleições, etc.), mas pela própria dialética que
rege o desenvolvimento de uma sociedade e os meios pela qual alcança-se uma
prospecção tal que exista coesão da conjectura institucional e social. Por este
aspecto, há um afastamento notável da realidade brasileira, principalmente
considerando-se o próprio estigma que permeia a sociedade tupiniquim, que “política
não se discute” – este, talvez, o erro mais grotesco no qual uma população
possa incorrer.
O quadro não é
dos mais positivos: de um lado, representantes que cada vez menos representam
seus eleitores. De outro, eleitores que menos se interessam na dialética e no
longo prazo estatal e mais se importam com a manutenção das suas regalias ou
estilo de vida (o que inclui as famigeradas bolsas e auxílios governamentais).
Isso para sequer adentrar o mérito da cada vez mais clara falência do modelo
partidário atual (vide a governabilidade federal passar, quase
obrigatoriamente, por uma aliança com legendas como o PMDB).
Onde estão,
nesse meio, as lideranças que a sociedade requer para levar adiante o país? No
Planalto é que não estão.
Permito-me uma –
agora – digressão, mas que ilustra muito bem onde, penso eu, reside a solução a
médio e longo prazo para o Estado brasileiro: a alegoria do mito da caverna de
Platão.
De acordo com
essa alegoria, há prisioneiros (desde o nascimento) que vivem presos em
correntes numa caverna e que passam todo tempo olhando para a parede do fundo
que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira. Nesta parede são projetadas
sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e objetos,
mostrando cenas e situações do dia-a-dia. Os prisioneiros ficam dando nomes às
imagens (sombras), analisando e julgando as situações. Em determinado momento, um
dos prisioneiros é forçado a sair das correntes para poder explorar o interior
da caverna e o mundo externo, entrando em contato com a realidade e percebendo
que passou a vida toda analisando e julgando apenas imagens projetadas por
estátuas. Ao sair da caverna e entrar em contato com o mundo real, fica
encantado com os seres de verdade, com a natureza, com os animais e etc. Volta,
assim, à caverna, para passar todo o conhecimento adquirido fora da caverna
para seus colegas ainda presos. Porém, é ridicularizado ao contar tudo o que
viu e sentiu, pois seus colegas só conseguem acreditar na realidade que
enxergam na parede iluminada da caverna. Os demais prisioneiros o chamam de
louco, ameaçando-o de morte caso não pare de falar daquelas ideias consideradas
absurdas.
A conjectura
social brasileira não se afasta muito, enquanto analisado o conhecimento e
interesse na política, da alegoria de Platão. Não é segredo que o analfabetismo
funcional é marcante, e não apenas em um ou outro estrato socioeconômico. Há
quem propague a ignorância de peito aberto, ou quem não se sinta culpado por se
deixar usar, militando de maneira alucinada mas sem a menor noção de
consequências do que defende.
Eis que a
resposta passa a residir não nas lideranças que se apresentam atualmente ao
poder da União, mas nos – ainda pouco – que se dispuseram a sair da caverna de
Platão, explorando e descobrindo as informações vitais que todo cidadão
funcional demanda para o pleno exercício do regime democrático num Estado de
demandas tão urgentes quanto o brasileiro (ouso dizer, inclusive, que em
qualquer Estado que aspire a algo além da passividade no cenário global).
Infelizmente, a
própria conjectura social brasileira apresenta repulsa ao esclarecimento: ainda
vivemos numa sociedade que celebra o “jeitinho malandro” em detrimento da ética
e da inteligência – e não adianta querer negar, isso é a nossa realidade.
Embora isso constitua mais uma barreira, é uma espécie de responsabilidade
daqueles que possuam o conhecimento adquirido de amadurecer os que os cercam de
forma a amplificar o alcance do aprendizado, celebrando a informação e
atingindo e beneficiando aqueles que dela não dispõem.
Notem que não
me refiro de uma obrigatoriedade, embora use a palavra “responsabilidade”. Até
porque, se celebramos a liberdade, obrigações impostas por uns a outros estão
longe de ser sinônimo de “ser livre”. A espontaneidade dessa “prestação de esclarecimento”
é traço fundamental do que realmente necessita a sociedade brasileira, de
maneira que rompa as barreiras dos preconceitos que atualmente nutrimos e
amplifique o alcance do senso crítico na vida política exercida por todos,
desde eleitores a candidatos. E essas medidas passam desde a fiscalização dos
atos praticados pelos representantes já eleitos até as campanhas acadêmicas que
disseminem o estudo e a curiosidade dos cidadãos pelo exercício político.
Evidentemente
isso passa pela quebra de certos paradigmas e a abertura ao debate franco e
completamente aberto, o que será tiro-e-queda para várias ideologias falidas
oriundas do marxo-keynesianismo, mas é algo que deve ser iniciado pelo menos na
proporção em que fomente a curiosidade da população em geral pelos assuntos
relevantes à governança brasileira. Além disso, destarte isso pode implicar em
um esforço descomunal por parte dos que aceitarem o desafio, pois as barreiras
ideológicas estão por toda parte, e o preconceito com ideias liberais é grande,
consequência de anos e anos de doutrinação marxista nas Academias. Contudo,
como dito acima, prossegue sendo um desafio a ser vencido.
Não se pode
deixar abater pelo estigma de “elitismo” quando se fala do esclarecimento
enquanto ferramenta (há esse paradigma em algumas camadas sociais); deve-se
usar do conhecimento não como instrumento para doutrinação de uma suposta
verdade única, mas de catapulta para a dialética e o franco enfrentamento de
ideias, amadurecendo as concepções vigentes na sociedade atual.
Enquadrar-se
nesse perfil dos “verdadeiros elementos de mudança” não demanda um currículo
cheio de graduações e mestrados, mas sim uma predisposição acadêmica e a
vontade de levar o conhecimento adiante. É difícil, mas não impossível,
exercermos uma missão na qual o Estado – quer por omissão ou por falta de
competência – falhou miseravelmente. E pode ser mais prático do que parece: já
pararam para imaginar a diferença que pode fazer a adição do tópico “política”
na leitura diária de todos por meros 10 minutos? A inclusão do hábito de
acompanhar jornais e refletir sobre o que eles noticiam? O fomento às conversas
informais? A reunião de grupos de estudos nas universidades? As iniciativas de
feiras e seminários nas escolas? Tudo isso é muito real. Está ao alcance de
todos que queiram se engajar na iniciativa.
Política se
discute, sim. E decide os rumos não apenas das nossas finanças, mas também as
estratégias que deveremos adotar para assegurar uma melhor criação de nossos filhos.
Um esforço de hoje será refletido no devir dos anos, de uma maneira que nem o
mais otimista dos analistas pode prever. Tudo passa a depender da nossa própria
vontade de engajamento. E, neste aspecto, declaro-me mais do que aberto aos
debates, como sempre fui, e desejoso de fomentar essa dialética em busca de
disseminar o conhecimento, na medida do possível.
É com esta meta
que passo a convidar a todos não de maneira formal a uma solenidade, mas sim
informalmente a um compromisso: incentivar o conhecimento e o debate.
Lembremos que há
pessoas que nunca sequer possuíram um aparelho celular (do mais simples que
seja) e não sabem assinar o próprio nome, e que caem nas falácias com as quais
convivemos diariamente. Eles acreditam que a vida esteja ideal como está. Que
tal mostrarmos a eles rumos para que seja ainda melhor do que isso? Demonstrar
que ambição não é ruim; que enriquecer não significa avareza; que estudar não
significa elitismo ou caretice; que assistir jornais não é “apenas ver desgraça”.
Tudo isso e mais um pouco.
Se você não
quer entrar na política como um agente direto, pode contribuir para o
crescimento e nobreza da mesma ampliando o saber e fomentando o senso crítico
daqueles que ainda não foram atingidos. Todos só temos a ganhar – e,
principalmente, os mais necessitados.